segunda-feira, 4 de maio de 2009

Incrivelmente só escrevo sobre minha escrita
e mais:
se um vivesse de ler apenas o que aparece aqui
não saberia que existem outros que não eu,
pois que tenho tantos subjetivos nas linhas
sem nenhum outrem que lhes justifique.

sábado, 2 de maio de 2009

Tangente

Duma feita estava rotinando num semprealgo que de muito repetitido em várias circunstâncias se resumia ao caminho que tomava depois do almoço; e que então nesta vez anômala esbarrou no pensamento em tropeço; gaguejo, tosse.
Eu devia ter anotado melhor o que comera naquela manhã, quantas horas de sono, quantos litros de ar tomara no café; que lembranças eu mastigara de desjejum, quais imagens de sonho me ocorriam à mente no abrir a geladeira.
Fato é que não notei nada em meu corpo que explicasse o feito, mas que de repente senti as faculdades mentais se dispondo de maneira diferente; e só consigo imaginar uma caixa de câmbio trocando o eixo das rodas, grandes estruturas rígidas de aço - os ditos aparelhos psíquicos de laboriar consciência - sendo postos numa configuração de todo modo inusual: marcha rara; que, com um tranco, um leve coice de uma bolha de ar estoirando, conectou certas representações em algo que tenho ampla certeza adjetivar curto-circuito: em sua eletricidade de aceleração perigosa, talvez também no seu caráter indesejado, evitado a muito custo.
Pois bem, que normalmente, se me ocorria de não reconhecer o ritmo de minhas divagações, havia-se causas claras e explícitas: me invadiam de uma sensação diferente, à qual estava despreparado; e tal se deu quando em claustrofobias ou pânicos que me atormentavam, ditas euforias, ebriedades ou sustos, cheios de treme-treme nas mãos e a respiração entrecortada, tão corpóreo que visível era.
Mas se digo 'normalmente' em um evento cuja essência incômoda se dá em sua chegada fora de propósito, inoportuna; faço-o unicamente porque tenho deixado de lado certos afazeres mentais (como o tal aqui debatido) dos quais desconfio - mesmo que com demasiada imprecisão - já terem sido um dia parte habitual de minha dieta; a ponto d'eu lhes poder um dia prever a vinda nalgum momento vindouro, e contar com esta para um projeto, um futuro, um outro tempo que me surpreendesse; mas que, d'ultimamente, não me compunham com o dia-dia, e s'excluíam do dito pensável, possível.


É difícil chegar ao ponto em que espero neste relato. Mas há uma certa relutância em saltar direto a algo que no fundo tem de tão inexpressivo que posso de muito mais alongar-me em suas constelações de relações gostosas; daí que despejo sobre tais territórios estas nuvens de letras, peças de quebra-cabeça, e seu padrão a cair me informa de uma dimensão por mim até então ignorada; porque talvez esta 'experiência vivida' ( no sentido forte, absurdo ) seja como uma semente que se nos surge no simples engolir diário dos frutos do tempo, e que nos cabe plantá-la ou morrerá; engoliremo-la e será digerida como tantas outras. Como uma pista que abre aos detetives novos leques de hipóteses - e daí me lembro duns tantos filósofos que se me diziam certas vezes: que uns textos a se voltar a definir seu objeto de pronto, tratando de esmerar suas fronteiras e envolvê-lo em grandes cobertores de adjetivos; estes só possuem intuito mesmo é de denunciá-lo, capturá-lo e pô-lo inofensivo num quadro envidraçado de exposição de borboletas.
Então entende-se que eu relute em simples derramar de logo meu trunfo (tão pequeno, tão frágil) em um discurso súbito recém-começado. Se os ventos rítmicos da prosa derem sinais de inverter de sentido, não haverá espaço para erguer à minha muda recém-plantada certas paredes de papel já-lido; e quando então o tempo mudar, não haverá o vozerio destas idéias frias e protetoras a permitir-lhe desenvolver-se escondida no plano de fundo, no silencioso olho de tornado das palavras.
Tentar entender um vivido exige tantas precauções - ainda mais quando se trata de tanto sem precedentes, e que muito de provavelmente não retornará - exige uma parafernália quase cirúrgica de esterilização do maquinário leitor, para a extração desta impressão-feto ocorrer sem matá-la, pois que é parto apressado, parto súbito antes do momento; porque esta impressão fugidia ocorreu justamente no canto dos olhos, porquanto se olhávamo-la diretamente eis que silenciava, e tanto esforço para sair de sua frente e deixá-la emergir ( tanto que nem pude intentar isolá-la, alterar os planos do dia para prolongá-la e saborear ); que não: quando vem e ocorre, ocupa todo o espaço do pensamento, de tão egoísta, de tão, "outra", que não suportaria a presença de nossos mecanismos cotidianos de elaboração.
Sei perfeitamente que não me era permitido encará-la de frente, cá-comigo e meus passados (meus tempos gordos e maiores que iriam fagocitá-la vorazes e digeri-la em obviedades) e ela lá-consigo e sua objetividade clara, dada, presa pela pata na armadilha de lobo; mas quando justamente o a-ser-examinado consistia num eu-mesmo, e ao apontar-lhe a objetiva já sumia em meu olho de observador? Adeus às câmeras!
É assim que só me lhe restam poucos fragmentos de imaginação, como se passasse por mim um arco-íris dum outro espectro de cores que não o mundano, ao qual não podia eu dirigir os olhos vermelhos-brancos-verdes-azuis, mas me deixasse borradas mangas da camisa com uns leves tons irreconhecíveis; daí que descrevê-lo passaria por dirigir-lhe tantos subterfúgios para que não fosse apagado em minhas cores oculares, que mal e mal talvez nunca chegue efetivamente a reproduzir a cor do então-dito.
Do conteúdo daquele pensamento possuo pistas, mas desta parte não posso realmente sentir falta ou separar-me, visto sei vão estoirar inda noutra feita, e delas não me cabe tanto responder. As pegadas que um animal deixa de pouca utilidade são para os dançarinos, interessados mesmo em identificar a graça com que as bestas flanam sobre suas patas, multiplicando pisadas sem objetivo. Trata-se do velho truque de enxergar estrelas tímidas: que um olhar direto as faz sumir, ao passo que dedicar-lhes o foco leve, a mente atenta às luzes que surgem no campo da objetiva que não eram de sua intenção; as companheiras acidentais da mira do observador surgem então, achando-se sozinhas, e põem-se a revelar o quanto de mundo se nos escapa na normalidade.
( Gosto muito da vez em que, no escuro de meu quarto, tentei entrever a imagem de um quadro de muito agrado antes de dormir - mas este estava negro; e quando em deitando-me já punha a fechar as vistas quando entrevi de vislumbre a imagem plena, a espreitar-me escondida no não-olhá-la )


Pois então, sei que esta feita (o tema oculto destas tantas frases que estou a enovelar) ocorreu-me diferente das tais outras a que eu começava a fingir-me acostumado, citando-as perante outros, rendendo-lhes nomes e leis de ocorrência; a tal feita tão recente, mas que deve na verdade ocupar a maior parte de meus dias, e eu nem noto, pois que a confundo com familiaridades abstratas impossíveis; ela se passava em um puro discurso mental ininterrupto, conexão de semi-lembrados em profusão de idéias novas, e narrando para mim mesmo, que afogava numa criatividade louca, uma sopa de matéria orgânica onde qualquer palavra sabia deitar raízes e frutificar; e tudo sem aquela sensação outra que lhe desse reflexo em meu estômago, nenhuma intuição que proporcionasse material para suas elaborações constantes de novidades.
Só posso dizer que não foi magnífico ou estupendo, foi mais mesmo é divertido, agradável, dito que meio não era eu: deram-me a conhecer este outro fulano, que monologava com minha voz em minhas orelhas muitas coisas, e que depois foi-se para os recônditos profundos da consciência.
É possível que haja muitos desses indivíduos disparando suas pérolas por aí, mas só o fazem quando seguros sozinhos, quase semi-ignorados, deixados de lado; e mais ainda! pois que não podem ouvir de réplicas: não existem quando na segunda pessoa! (posto que são mesmo é a primeira). Aposte-se-lhes um 'tu' e vão-se em paradoxos.
E só volta rara conseguimos abdicar de nossas queridas palavras e ouvir algo como que esta mesma nossa voz a declarar as tortas descobertas de seu vislumbre de mundo.

segunda-feira, 9 de março de 2009

pequeno lari-lara

pequeno lari-lara censurando o início da página com abusos ainda não avaliados.
por favor, siga a lista de legíveis, e tome cuidado
ou não

texto-petróleo

"... e o início e o fim procriariam mil filhos em um sexo literário ..."

"... este capítulo ecoa num silêncio vago os gritos da página debaixo desta, pois que ela fica soando monstruosamente ..." e a tal página não existe, é imaginária, mora dentro daquela espessura ridícula, é interna às letras feias se balançando em palavrões

a picareta do Tédio de baudelaire, o monge martelando o sino para acordar Deus dos seus sonhos, o fim do mundo;

texto que é uma gozada de porra grossa, porque nunca escreve até que estoura, e se torna atropelado - literalmente atropelado: são poemas bonitos que foram arrebentados contra o muro e saíram mancando aleijados; todos cheios de cicatrizes de onde era são, mas que agora fica nascendo em outras formas de literatura, outros tumores parasitas; é uma grande aberração, com os membros em constante fornicar, multiplicar; e se dilacerando, que entram a se comer e foder ininterruptamente, se arrancando desde os cabelos até os dedos e os olhos

eu quase vejo, percorrendo as idéias incômodas, um fio de estrutura: um grande rio de sangue-esperma, que fode ou morde tudo que encontra -
uma veia, uma ferida retalhada, dá até pra ver o corte torto da navalha dilacerando as imagens; corte donde escorre um esperma preto e fecundo, porque estupra todas as palavras que encontra, e gira as imagens tanto que as faz vomitar suas avessas;

a cena, a traduzir e remendar, pode ser uma simples picareta enfiada nas tripas, ou aquele pai gritando a morte com a boca vermelha maior que o mundo, ele arrebenta a relação som-imagem, de tanto que ressoam seus berros de chumbo na memória, tremendo o próprio tecido de tudo,
- e sinto tecido em tudo, tecido vivo que sangra, tenho medo de pisar no chão e desvirginizá-lo, de engravidá-lo com esse ritmo degenerado

um texto/cena que fosse um poço de lama, um poço de petróleo,
que eu enfiasse o balde e fosse sujando o mundo pútrido, com suas próprias entranhas mortas e fossilizadas há tanto, que o mundo tentava engolir e indigerir;
texto feito com o pus das inflamações, com a carne podre,
texto-câncer,
que quer mais é que tudo moribundo ande alguns passos e desmonte, caia cadáver choroso; que os cadáveres ele poderia fornicar e procriar sua monstruosidade em outros planos

esperneio

estou tremendo, me espreguiço, mas há uma energia aqui dentro,
é um prenúncio de claustrofobia, de pânico, não sei o que fazer,
não "faria" nada, estou aqui, finjo que não está acontecendo,
penso se vou revelar a alguém meu estado,
talvez só se eu começar a tremer às suas frentes

... acho passou, ainda existe um pouco, ainda insiste,
mas não sei o que fazer com isso, é tão ruim,
só preciso de ar, falta de ar, respirar fundo

a cena do banheiro em que quase chorei,
talvez tudo tenha sido desencadedo pela lembrança de verdeacaminho, ou hoje mais cedo,
a dor da guerra e do medo de passar pelo horror dos coveiros, e enterrar a todos, e enterrá-los vivos, bando de desgraçados;
aquele horror de vampiros e picaretas,
a cena do banheiro, dos chiliques e dos espasmos,
é o que mais me é horroroso.

o escrever é um espernear, porque não consigo me libertar destes lençóis sufocantes em que me afogo à noite simplesmente com meus espasmos físicos, preciso torturar palavras e pisoteá-las agressivo, que devem ranger nos meus dentes sua dor - quero que se contorçam, escrevo para eletrocutar a tinta

quando eu me levantar desta cadeira o sonho vai sumir, vou ao banheiro, vou perder este estado absurdo. porque proust paralisava seu tropeço porque os sonhos fogem com os movimentos: são pássaros que vêm nos bicar o umbigo quando estamos dormindo; que às vezes carniceiros nos rasgam as tripas; são moscas que vêm nos transmitir doenças, vêm defecar nos nossos olhos cheios de lágrimas -
o mínimo gesto os espanta, covardes

não queria ler nada disso
acho tudo horrível
às vezes abro essas folhas e impressiono com tão estranho
nunca sei quanto aos outros
as letras gemem e estão todas tortas das torturas que lhes faço, tanto que já é difícil lê-las

sinto preso a este chão, e em breve algum mínimo estalo levará embora para nunca mais.
Isto aqui é uma carta suicida
talvez outro dia volte à vida em alguma outra dor inesperada

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Fragmento

Desabotoar a camisa da Terra
para desflorá-la com uma pá;
é túmulo que cava,
ou está plantando uma gravidez?
Que as pessoas masturbam as barras do metrô numa generosa pole dancing é óbvio.
Quais são as roupas da Terra?
Seriam os lagos óculos enormes?
E os rios lágrimas escorrendo
já mais pela arte dolorida.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Como ler

dão-me uma raiva as pessoas que lêem-lêem
lambem-lambem
lêem uma vez enquanto assistem televisão
uma vez e meia.
lêem pela metade.
lêem uma palavra direito, e falam "Aha!"
saem a comentar quatrocentas páginas, sorridentes
(já podiam ter ido para a casa que os pariu,
dormir e escovar o cabelo)

que diabos?
se é um texto, se é escrita
(aviso que isto aqui não é escrita; é só um palavrão)
então é igual a uma escultura:
não basta uma foto!
faltam os ângulos...

uma vez
comentaram para mim:
"seu texto fica melhor quando lido de cabeça para baixo"
demorei um ano e um dia
para entender
que ele lera meu texto
de trás-pra-frente.

amigos!
letrinhas são como um monte de formiguinhas
estão aí,
à disposição,
para que se brinque de assassínio e de perversidade.
vivem só para serem pisadas, em números de sapateado.
Um texto é feito para ser invertido,
para ser dobrado e amassado,
para ser usado como papel-higiênico.
Um texto é útil.

Se lhes ensinaram no colégio
que as páginas ficam em pé sozinhas
todas reverenciando o deus-sol
calmas e fáceis;
lembrem sempre disso:
aqui, onde eu moro, venta muito,
e as folhas estão sempre na ordem errada.

leiam uma
duas
leiam os dedos dos pés
tentem ler um texto
como se ele estivesse na frente dele mesmo.
Tirem-no da frente.

Jornal
só serve
para fazer barquinho
e avião
e principalmente chapéu.
não leiam jornal.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

pânico

eu devia ter falado de pânico, de claustrofobia, tremendo tanto com medos de anormal, de drogado.
ofegante sem parar, meio desesperado, e isso foi o mais incrível
mais do que todo o espetáculo, a verdadeira ação foi interna, foi no peito, doía tanto, a percepção, algum tipo de infraestrutura básica fora abalada, não era em nível conceitual, ou mesmo de sentimento: era antes disso tudo, eu doía e perdido.
eu já nem lembro. e os nervos à flor da pele, saí correndo do banheiro, estava quase chorando de desespero, e sem saber porquê. só me fez mal.
se me encostassem, se me viessem me tocar, eu gritava, eu ia explodir de horror, um desprezo-desespero, estavam todos tão doentes e eu só queria sair dali, só sair dali, socorro.
Greenaway falava tanto de aprisionamento, em malas, em prisões, em casamentos, e eu só me sentia encurralado; no fim, era uma sensação muito profunda, muito mais profunda do que amor ou ódio: era simples vertigem, simples pânico desesperado de se ficar esperneando horas afogado, espasmos, espasmos, não ter jamais por onde sair daquele pânico horroroso, frenesi ébrio e sem nexo que eu já vislumbrara em noite, que tenta ser pura dor horrorizada; dor das aflições, dos tremeliques, dos tiques ensandecidos, de todos os músculos tensos se contraindo, um corpo eletrocutado à espera de mais dor, dor que nunca vem; porque é o mais terrível de todos, que sabemos que vamos morrer e nunca morremos, e os segundos de certeza antes de alguém esmurrar-lhe a face, espancar-lhe por horas até nunca com barras de ferro, aquela certeza aterradora de que haverá dor, e será pior de tudo: odiar o presente, odiar a vida, odiar a existência, querer ser simplesmente erradicado, arrancado do mundo feito um carrapato; é a certeza de que será um Monstro - pois que metafísico, monstro imaginado, alucinação febril. a única sensação é de um total esmagamento sem ar, ser prensado por um milhão de toneladas; sensação de presa, cercada pelo predador, sabendo-se com segundos contados, o desespero mais forte do mundo, em que tudo conspira para arrebentar a própria carne; quanta dor não exala pelos ares, não irradia de chamas por essa simples covardia impossível - invertida, o maior covarde de todos, e já não tem pra onde ir, e aí o mundo vira de cabeça para baixo e é ele quem vai pular nos pescoços de todo mundo; na verdade ele é o pior de todos, ele desperta em fera abominável, de dentes enormes de arrancar carne, de rasgar rostos ao meio como folhas e jogar na fogueira dos olhos tresloucados.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Verdeacaminho

texto que fosse puramente intensidade
repetição tediosa de mil e uma imagens diferentes todas em guerra, tão em guerra que não sobra nada para contar uma história.
Texto que começasse no meio e não tivesse fim: gasto inteiro para expressar apenas uma palavra, um gesto, nada mais. Mostrando o quão desesperador não é um mísero segundo, texto que nos obriga a ler desesperados até a última linha gritando "chega!" mas hipnotizados, até o fim, quando termina e tão abrupto que dói mais ainda, e o mundo é o lugar terrível, e fugimos para fumar um cigarro, vomitar no banheiro, chorar.
lembro da primeira vez em que fui a um concerto de música clássica, e eu sabia que ia ali ver uma forma artística que até então me era desconhecida, e por isso me foi tão terrível, porque me abri completo, e no fim, que importava o que se passasse, eu abria meus poros ao mundo, ardendo, arrepiando como os bebês que choram ao engolir o primeiro ar, em seus pulmões virgens.
Não que seja bom: talvez pelo contrário, só faça mal, só deixe irrequieto, só atrapalhe..
Peter Greenaway estuprou minha vida.
( Dizer lisérgico ou esquizofrênico é lugar-comum, mas quem sabe que não é nada disso. Uma droga, na acepção terrível do vício em enlouquecer, em usar para libertar a mente, para abrir um outro lado da experiência... )
Houve pelo menos três fases: de início buscava simbologias, então desisti e fiquei perdido, desorientado. O espetáculo tirava-me ponto de referência e eu, sozinho, em um canto escuro, me desligava do real para adentrar uma tela múltipla sem tempo correto, sem espaço definido. A explosão das amarras em meio a uma sucessão de cortes à navalha do tecido híbrido tão natural que nos recobre o mundo como um cobertor quentinho antes de dormir, foi-me acelerando o pensamento, quando que já nem acompanhava as imagens.
Ao pousar no reino da aceleração suprema, podia brincar com as paisagens e as lembranças, escalando de tanto em tanto pelos estímulos de apoio. No enorme Rio da realidade, foram-me espalhadas vinte mil pedrinhas, nas quais aterrissava uma a uma, todas tão elásticas de trampolim, só me impulsionavam acelerar, a correnteza que quando vi já subia a cachoeira de cima para baixo invertida.
Nada explica uma tal aceleração, e, sem referência, cortada no meio como um despertar (ai! como dóem os despertares para nós que sonhamos tanto!) cada aplauso sangrava os ouvidos mais e mais, e me engolia o ar. De repente, em meio ao vôo, o combustível acaba, e batia as asas torrencialmente, mas que não bastava, e afogava no ar vazio. Mais do que o início tão brutal, tão desprevenido, o fim saiu o mais terrível de tudo, e em mil vidas ali desmaiei, morri, acabei... Recriar Tempo e Espaço, de maneira que invadissem o passado a ponto de jamais terem saído Dali, não há palavras para o horror destes pulmões pulsantes de trevas. O primeiro sopro de ar que engolimos, entrando na vida a tapas e socos e chutes dos médicos tão rígidamente certinhos em suas vidas bem-compostas de torturar recém-nascidos neste inferno queimando virgens os pulmões puros de inocente - deve ser maravilhoso cair de avião, uma queda de cem anos, só o suficiente para nos deixar amá-la. E estapeavam a pele macia do ar, em suposta homenagem, quando deviam preocupar-se em encher o cômodo doutra coisa que não oxigênio, de algo calmo e venenoso, mas não! que só sabiam balburdiar de maneiras incompreensíveis, por metros e quilômetros, e toda uma ontologia de ruído doloroso pois que tão habitual, que tão por um segundo esquecido - como eu odeio os aplausos em fim de espetáculo! Só me causam desprezo, só isolam, porque são cabeças vazias construídas até com elevador, e sobem e descem quando querem, sempre no mesmo lugar - enquanto as outras, as minhas, que são como plantas e ervas daninhas, se aferram ao solo, fotossintetizando um longo prazer estirado ao Sol, para quando forem arrancadas, com todos os machados do mundo, urrarem velozes, perversas, ardendo corpo inteiro, doendo infinito de masoquismo impossível - pipas ao vento, engolindo e arrotando raios, transformando céu e terra, estendendo suas raízes brilhantes pelas nuvens até viver de novo em paz, paz nefelibata; mas eis que acaba a tempestade (ai! como amo os delírios sem gravidade, em que as coisas saem voando de pernas pro ar, o vestido das bailarinas levanta, as árvores, os postes, tudo iô-iôs gigantes de gás hélio cabriolando como longos cabelos da Terra num grande aquário maravilhoso de reflexos e espelhos) eis que findam as asas deste objeto voador não-identificado, pires voador, em que os Deuses londrinos tomavam seu chá das cinco enquanto nos jogavam xadrez com as vidas; outro dia descobri que minha cidade está coberta por ladrilhos de pedra portuguesa, pretos e brancos, em que posso tocar piano, imaginar partidas gordas de xadrez - que são os pedestres senão peões avançando as casas como ninfomaníacos, atrás da próxima peça que irão comer; mas eis que finda de escorrer a tinta-sangue do sacrifício humano-animal-cristal-nave de papel-jornal, e a máquina de escrever metralhadora começa a gemer sob o peso das palavras escorregadias...
O sentido da escrita arrasta o mar em pura calmaria até o porto, fim da viagem, e não é à toa que os marujos saem ébrios de continente a trocar pernas no solo instável de sua terra natal.
Estamos muito habituados a tomar ônibus, a ver amanhecer e entardecer longamente, a palavrear futilidades em constante (bom-dia como-vai?). Quão abissal nos soa, nós que jazemos num mundo de superfície fácil e cambaleante, aquela nota só arrombando as vestes do comum. Ser de uma velocidade só, que nos atropela e fere os ouvidos com suas rodas de aço esfolando nosso marasmo modorrento, e que craveja sua seta de movimento aos poucos.
Se nos seduz, é porque temos dentro um demônio perverso, verdadeiro ser ímpio amante da destruição das paredes e das vidraças, que sobe aos ombros entrando pelo rabo, e ainda nos convence a largar estas âncoras bonitas de plástico cromado, compradas aos lotes em seis vezes de promoção.
Uma velocidade só, a da horda, a da matilha, e se nos agarramos ao furacão, é porque suicida.
O jazz mais livre sorri este efeito de embriaguez permanente, e não apetece ao dia-a-dia. Só de virar baldes de tinta na tela, em constituir um sítio arqueológico portátil, ao levar ao olho do tornado (o eu da língua dos londrinos) vemos o mesmo mundo em outros olhos. Minha casa passa voando circulando ao meu redor, já chamaram isso de morte (quando a vida goteja inteira desde os princípios diante dos olhos) mas há um fim para tudo.
Peter Greenaway não é um gênio metafísico - no máximo gênio maligno, Djinn; arauto safado de uma prostituição das mães.
Hahaha! Da risada dos que se deixam embebedar pelas putas, sabendo que elas lhes comerão as tripas como sereias. Ulisses, aquele não-Pessoa, ningúem furou meu olho, deixou-se enfiar num furacão de cantorias assassinas - foi arrancado de lá, não sei como não saiu louco, ele que não existe, virou um monstro a passar-se de ovelha com sua figura ilícita.

domingo, 2 de novembro de 2008

Lugar-comum

outro dia ouvi:
'coligação de mais-de-um avulso de mil-metros'
é o que se chamava, antigamente, quando as pessoas sabiam falar direito, de 'grupo de gigantes'.

ouvi também, com minhas orelhas:
'milêuma de processos de rochização, de amálgamas afivelados em seus assentos de ejeção'
o que sempre reconheci como um monte de metades de idéias, lançadas ao espaço pela filosofia louca de um lugar-comum.

É isso aí que eu batizo de hifenização da sociedade;
palindromização da sociedade;
desconstrução da sociedade, sociedadização da sociedade s.a.
Bando de termos loucos e bonitos - não dão certo e não fazem sentido.


Eis que vêm, e perguntam:
'Ora, quem é essa tal de sociedade - com quem você anda saindo, dia e noite, e volta só na segunda-feira à tarde,
bêbado,
sujo,
em trapos?
Essa piranha que te levou a falar mal dos sentidos engraçados,
daquela fase azul daquele pintor feio,
de um macaco em cima da árvore - que bonito! que bucólico!
de um não-sei-o-quê ilegítimo que só atrapalha na hora de transar?
Logo tu que antigamente era safado,
que gostava de desenhar mentiras na parede,
que não sabia dançar;
Logo tu que nunca soube sonhar em voar?'

Ah, não sei nada disso, eu só digo, sem saber o quê:
hifenizem-se, neologizem-se.
ih! inventem seus próprios léxicos de nadafazeres inúteis.
aí nós poderemos digladiar fantasmas, sem lençol - vai ser divertido! vai ser infantil, mas dane-se, que é festa-sesta na cidade-aventura de Mil-direção!

'lençol' - isso é o que eu chamava de papel branco,
papel útil para queimarmos em nossas obras desnecessárias de reinvenção.
também conhecidas, pelos sociólogos, como vandalizacionismo;
inadequadas à futura geração

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Basta-me um (1) texto absolutamente brilhante
e que ele me serve de álibi
quando sou fraco e sujo
ele me mostra que sou forte e corajoso
ha, vou brincar de bonecas quando sua mãe não estiver olhando
porque quanto mais a gente chora em um canto qualquer do quarto ela vem com o rolo de macarrão na mão roçar as minhas faces úmidas de lágrimas e rir uma risada enorme. eu a odeio.
quando então a matarei, que já nem sei.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Já é tarde

Quanto dói já não ter mais uma imagem de musa a que recorrer nos momentos de nostalgia por alguém que nunca existiu.
Naqueles momentos nos quais a solidão cansa no peito, e se busca com desespero as imagens belas dos dias bonitos e amarelos.
Mas não:
que os dias bonitos já são há tanto,
já se agüenta a distância até já nem notá-la mais,
que aquele jovem coração feito de chamas claras, brancas e vivas,
ele está afastado há tanto de qualquer outro:
que as teias de aranha da indiferença vêm crescendo,
e que os sonhos já também perdem o sentido,
que já se vive em função de ideais de gelo;
tanto mais terrível por ser um sono tão leve,
Ah! Qualquer brisa me acordaria!
Brisa mesmo que nunca vem.
E cada vez mais sensível aos mínimos suspiros,
e cada vez menos eles vêm.
A vida é bela e implacável - como aquele quadro de musa que guardo no meu quarto,
e que às vezes fecho-lhe os olhos para lhe sentir saudade,
e que já prometi só me deixar vê-lo quando puder sorrir de novo - e por nada,
mas que já fiz a promessa também há muito,
e que já mesmo as paixões mais infantis vão se tornando hábito cinza e desgastado.
Mas aquele distante olhar de alguém que nunca existiu.
Lembro que um dia eu era aqueles olhos,
e conseguia me ver distante como uma solidão inalcançável.

Quem sabe se algum dia não lhes dá na telha das correntes de destino que agrilhoam este navio de existência, não se viram como as marés em sua dança lunática de fim dos tempos, e nos deixam abalroar algum recife! para novamente podermos afundar nessas águas revoltas, poder chorar rios de lágrimas! - que nunca mais chorei lágrimas nessa odiosa calmaria morta e seca.
Estou reduzido a planejar vidas idiotas com todas que vejo e odiá-las escondido.
E já não entendo quando, trêmulo, no escuro, me enrosco na cama e sonho com infinitas daquelas que já amei algum dia, mas não adianta,
que até aí já não as lembro direito.
Não-lembrar: é o maior desespero,
não-lembrar dos maiores amores que doíam insuportavelmente.
Um dia acorda e a dor se foi;
onde foi?! Onde foi?! E já nem lembra mais quem foi embora.
O pior sentimento de todos é este:
o desgaste,
o cinza sem-graça,
o saber-se que não é o pior sentimento de todos - e isto é o que dói mais!
Porque é uma tristeza medíocre,
de mediocridades medíocres,
de preguiças infinitas de alcoólotras que já bebem por terem desaprendido o não-beber;
tristeza das inércias, e das indolências, e do não fazer nada enquanto a vida é um rio implacável que nos arranca pelos cantos por mais que grite, que grite sozinho no escuro.
Ai! Como dói não-doer tanto!
Sofre o coração por não-sofrer.
Queria agora estar gritando-urrando um desespero,
mas ao invés fico preso no pesadelo vazio,
e é grande a dor no vazio.
No vazio ninguém dói - e por isso dói mais ainda.
Um vazio de um apartamento vazio coberto de teias velhas de aranhas mortas de tédio.

Preciso de um cigarro.

domingo, 11 de maio de 2008

Noite II

Noite lembra aquelas distopias fantasmagóricas, de sair nas ruas sem luz e tremer no escuro, ser abordado por vários duendes de sorrisos estáticos, perigosos como estranhos, seus rostos alongados de não-humanos, esgares que não se sabe se de dor ou de paixão, em sua risada perene inaudível, insuportável, que nos dói as bases mais ínfimas do pensamento, lembra aquelas mulheres em êxtase agitando os longos cabelos num frenesi sem mente, aquelas bruxas tão terríveis, animalizações exclusivas do não-animal, espasmos sem nexo ordenados por danças ritualísticas ao redor do fogo, danças infinitas, de serpente rodando em transe ébrio, ao redor das chamas queimando tanto, daquelas velas acesas que só servem a dar medo dos mais distantes, velas que acendem uma bolha de falsa segurança, frágil, tremendo ao vento que murmura, o vento que grita, lá distante, sem saber quem, vento desesperado que já não se sabe se não nos é o próprio eco chorando, eco dos nossos pesadelos, e que esbarra pelos ouvidos desatentos fazendo as cabeças girarem aflitas, para todos os lados, encontrá-lo, encarná-lo, defini-lo, denunciá-lo palpável e não mais fantasma de paranóia, pôr fim ao medo transcendental de sua possibilidade, de sua noite; esses gritos tristes e desesperançosos como os tantos sussurros pelas vastas névoas cinzentas, as reverberações de uma cidade abafada em um universo de nuvem morta, construção fria, morta, habitada pelos semi-conscientes perambulantes, suspiros e vultos, movimentos nas bordas do campo de visão, o quase-visível, quase-audível: porque Noite nos fecha os olhos ferindo com garras de aço só para chorar querendo abrir, chorar em desespero de querer abrir, e as pálpebras arranhadas, esperneando na cama insone, em pânico, afogando nos inúmeros lençóis de pano, lençóis de alma, vestes de funerário, querer abrir a janela e pular, abrir qualquer coisa e fugir, sair, virar-se folha seca redemoinhando sem mente, em transe, às marés dos espasmos de riso, como um animal único, abrir os olhos sangrando à força e apagar aquelas velas tão ofuscantes, tão calmas, vontade de afundar atrás das roupas, dos lençóis, das máscaras demoníacas, dos disfarces de negro, as camuflagens, as vozes aos berros de blefe, sorrisos de escárnio, congelados, se esconder daqueles assassinos, vampiros, os animais que não o eram, os estranhos que surgem, dos que são tantos, os de olhos abertos, os que vêem e não são vistos, os de negro, não são visíveis: porque acender uma vela não ilumina nada, não ajuda, não, é gritar por socorro sozinho na noite, um sussurro indistinto, quase um desafio, que ninguém atende, é pior, porque aí que vira vítima, vira presa, presa dos outros que não se ouve, dos que não se ouve nem no silêncio, eles encontram, eles aceitam o desafio, não se está mais escondido embaixo de tanto pano - é estar nu de novo: à noite se salta janela afora enrolado em pano para não ser engolido pela brisa fria nos pescoços, enrolado em pano para tapar bem os ouvidos e não gritar, e sai para andar no escuro, nos becos sem luz, rodando os cabelos como moinho de folhas, espreitando, espreitando,
tão chorando como os pelados,
tão sozinho como os pelados,
e vai lá e salta num súbito,
salta das trevas, em espasmo,
rasga todas as vestes vizinhas,
grita e mata
morde e mata
gritando e sorrindo
bebendo sangue e sorrindo
fumando e sorrindo
rasgando carne
rasgando vestes
rasgando pálpebras com garras de aço em sorriso estático,
o sorriso duende,
sorriso vampiro.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Que é o elfo? (rascunho)

Que é o elfo?
Que é o ser alado de vislumbres
e explosões de artifício arroxeado,
e névoa e não-estar-ali?
Que quando se olha não se pensa,
e quando se pensa não se olha,
que só existe, concretamente, quando não importa,
e não responde perguntas: a não ser quando é segunda pessoa,
porque a essência da segunda pessoa não é estar à vista
("estar à vista" - isso é das terceiras pessoas, das fotos, das multidões de poe e walter benjamin).
A essência da segunda pessoa é interlocutor,
de preferência, invisível, ou diria-se, semi-visível,
pressuponível, extrapolável.
O elfo é aquele ser-fada que surge e distorce o mundo,
e que não deveria estar ali: talvez só exista (no sentido concreto do verbo, no sentido de levar a conclusões filosóficas dos que acreditam que as palavras têm vida e sentido próprios) talvez só exista no passado,
- que no presente nem pensamos em existências,
estamos preocupados em colorir o mundo com os olhos:
talvez o elfo seja justamente isso,
uma cor que o olho põe no mundo,
cor não de visão, mas de tato e de conversa,
cor-de-outrem; de interlocutor.

Ora, mas se já não falo mais do elfo, e sim daquele ideal essencial à razão,
aquele companheiro de todas horas,
o Outrem extrapolável da experiência cotidiana,
que pode ser eu-futuro, amigos comunicantes do futuro,
nunca do presente:
Porque se 'ambos' estão rindo dos acontecimentos agora,
depois poderão parar de piadas internas,
e conversar normais.
e comunicar normais.
Que tudo fora um grande jogo!
e na verdade sabem claro que nenhum deles existe.

Mas se já confundi a figura do elfo,
a figura do Mágico-Outro, não interlocutor, mas paisagem,
- que talvez o elfo seja justamente terceira pessoa,
ou que o diálogo com ele represente uma essência do diálogo:
porque ele é Sujeito, e jamais objeto,
ele afirma sua (ir)realidade com potência.
Se confundi-a com o nosso personagem-colega,
o que nos acompanha: o eu-memória, a memória, o futuro de lembrar o agora.
Um existir, agora, mas já em contar lembranças no futuro,
não propriamente tentando se aliar aos indivíduos de hoje
- se aliando aos do futuro.
Então o são é baseado em alianças de intersubjetividade,
de comunicação, que justamente saltam as distâncias de tempo-espaço;
enquanto o louco, que resolve-se a conversar com seus outrens onipresentes (e também presentes em lugar nenhum!),
é aquele que não enxerga suas alianças costuradas de memória,
esses cordões de lembrança que nos seguram a alma no mundo razoável do vendaval louco sacudidor de janelas da percepção.

São duas figuras diferentes.
O elfo talvez seja muito mais a fada.
Mas estou confundindo já mais outras figuras da cosmologia.
Que há as fadas-musas-bailarinas, talvez francesas,
são as flanantes; mas e o flanar masculino,
que seria justamente o elfar?
e há os vampiros de Londres.
Quando as bruxas seriam então fadas, e os vampiros elfos?


Conceitos fixos sóbrios desses não conseguem segurar a cor vibrante de suas invenções: eles saem a embriagar-se e borboletar, trocando de pele mais rápidos do que camaleão: Nuvem.

- Talvez as nuvens me expliquem as razões (deslógicas) do meu panteão classificatório interno de ideais.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Viver (rascunho)

Viver é passar pulando pelos buracos
de um longo caminho deslanceante.


Não há maior demonstração de vida do que pulos e cambalhotas:
são movimentos sem sentido,
e com puro sentido;
pois que definem o movimento-em-si - é movimento sem atribulações de tempo-espaço e de deslocamento:
é dança sem música,
simples extravasamento de energia bruta;
transbordamento de raios de sensação, de negação de realidades,
de destoamento, de elfismo.
Quando a vida é tão grande que afoga o ser humano,
ele precisa correr sem objetivo! e de olhos fechados.
Correr de olhos fechados porque é movimento em estado bruto.

Porque elfar é brincadeira para crianças, é sem sentido e sem nexo, é presente sem futuro e passado, é momento.

Crianças passam correndo e dando cambalhotas e pulando, porque têm vida em excesso e por isso são tão gordinhas;
A criança é recém-chegada, é sem hábito: sem passado - e por isso só possui presente.
Conforme se envelhece o passado engorda e o futuro cresce simétrico, a não ser que se negue tudo e se viva na vida saltitante dos lunáticos!

Sair na chuva é para se molhar, é para brincar com água e com os elementos; soltar pipa é entender o vento, é roubar o vento e sê-lo, e que o vento também é o próprio soltador de pipa.

As crianças não precisam da reafirmação alheia para poder ser em tempestade; não precisam do olhar alheio confirmando - elas o pressupõem.

sábado, 22 de março de 2008

Sobre o movimento

Para melhor compreender a bagunça e a vida, ou a bagunça-vida, que é a mesma coisa, vou criar aqui um pequeno glossário: meu dicionário, e quando me vierem com dúvidas sobre o que faço, simplesmente lhes mostrarei as definições. E eles saberão o que quero dizer, e avaliarão minha pertinência.

Estes quatro verbos, que são como fogo, terra, água e ar, são os quatro elementos da constituição da ação: não se referem às coisas fixas e ordenadas, mas ao seu movimento impensado.

Tudo começaria no esmar. Esmar seria a forma mais baixa do movimento aleatório. Vou defini-lo rápido e passageiro, pois que não interessa: esmar é o ponto de partida. Seria assim: o esmante é aquele que não possui objetivo, e navega a esmo pelas ruas, simplesmente porque não lhe resta o que fazer.

Não muito melhor do que isto é o avulsar: o avulsante é aquele que ainda tem opções do que fazer, todas com suas devidas importâncias nulas, e as escolhe sem reflexão: avulsa, permitindo às correntes do mundo tragarem-no em sua desordem multiforme. Não é ele mesmo inventor das marés, mas pelo menos nelas se deixa levar aos becos, como tonto.

Agora vamos ao vir-a-ser criativo, o que realmente importa:

Flanar é a magia francesa. Quando digo francesa, me refiro, obviamente, à França inventada dos flanantes, aquela feita de café e livros, de francesas e seu sotaque macio, de rios literários multicoloridos. As francesas inventaram o flanar: não é origem cronológica mas sim poética do verbo, que falar francês estimula a mente a sonhos. Sem mais esmices: flanar é trocar os pés, é abandonar todo e qualquer desejo mundano para aproveitar o gosto do novo, simples passeio. Flanar é ser livre, ser-em-liberdade, é contemplação estética do arredor, invenção de irrealidade. Talvez os loucos flanem - vou lhes perguntar da próxima vez que esbarrar em um nessas ruas-rios confusas da floresta-festa flanatória.

Enquanto elfar é o ápice da existência desregrada, é movimento dos elfos. Quando um homem se desfaz de seus objetivos e apanha o mundo com paixão, pelo simples respirar da paisagem, mas não se limita: engole-o ainda e vira ele mesmo cenário; quando sua existência remete a uma forma artística tão sublime que corrói as correntes de necessidade dos outros elementos, aí sim ele já se pode considerar elfo e não mais gente. Os homens-elfo são a raça da contemplação mais aguçada, que funde sujeito-objeto: e se os flanantes gostam de cantarolar ao longo das margens de um rio, é porque gostam de admirar as danças élficas do universo. Talvez os elfos para si mesmos apenas flanem: o elfismo é o reflexo deles no espelho - é quando o reflexo também ele flana, ecoando o ser-caótico com tanta imprevisão que ambos ressoam uma música de invenção, e tecem mundos.

Sendo assim, estão definidas todas as formas da transformação da matéria. Se lhes parece haver falta da locomoção ordenada e racional, percebam: se omiti-a por puro acaso, ela coincidentemente também inexiste. Toda a diferenciação em tempo e espaço nega os princípios de igualdade que supostamente regem o mundo, proclamando assim o reino da imprevisibilidade, o carnaval, a bagunça-vida! Não existe, pois, o movimento escravo do não-movimento, por este comandado: sempre que os átomos se põem a balançar em folia louca, esquecem suas ordens monótonas e divertem-se bêbedos.

Perguntas

As pessoas fazem perguntas estúpidas. Perguntam por que usar chapéu. Como por quê? É uma contradição em termos. Podiam perguntar quando usar chapéu. Ou onde. Às vezes perguntam por que fumar cigarros. Como por quê? Podiam perguntar o que é fumar cigarros. Fumar cigarros já implica sua própria necessidade. As pessoas dissociam o fazer de suas razões, e fazem, e não sabem o porquê. Não há o porquê. Há quando. E onde. E outras dessas perguntas estúpidas e acabou. Já ouvi perguntas como: por que as pessoas bebem vinho, por que se embriagam? Meus caros, vocês sabem o que é fazer tudo isso? Sabem o que é beber, se embriagar, rir das perguntas esdrúxulas e bolar respostas sem atenção, só para encher as páginas de letras? Não sabem. Aí perguntam: mas então, por que não sabemos? Por que não saberíamos? Por que nos escondem tanta sabedoria? Por que, por que, por quê?! Não perguntem! Fumem! Bebam! Usem seus chapéus como se fossem pipas, e quando o vento bater derrubando-os bêbados e lhes roubando os chapéus, atirando toda a fumaça na cara, vão todos poder amaldiçoar as forças da natureza, e correr para o bar, para a tabacaria, para a chapelaria, e juntar-se a outros tantos desconhecidos para maldizer o mundo.

A verdade é que as pessoas perguntam demais. E só perguntam perguntas estúpidas. Na verdade, só existem perguntas estúpidas. Por que será?


O ponto de interrogação deve ser o sinal mais infeliz.
Ou o mais estúpido.
Ainda bem que os estúpidos são ingênuos e felizes hehehehehe.

aviso

desaprendi - não posso mais.
alguém me construiu muros altos ao redor
- ou então fui eu mesmo.
vou culpar muitos uns e muitos algos!
não interessa culpa. não interessa nada.
para aqueles que são mortais,
aqueles que se sabem desinteressantes e banais,
os que já prevêem seu esquecimento,
que já esqueceram a si mesmos:
para nós, só podemos amaldiçoar o azar,
invejar os outros de quem já fomos aprendizes no passado.
eles agora explodem em glória mil-maior:
estão inalcançáveis - pois que eu cavei um buraco pra me esconder,
e escrevi em cima um aviso: aqui jazo. isso é tudo.

domingo, 2 de março de 2008

Dobras (rascunho)

Passeava convalescente em Londres, cidade-em-si, quando assisti às comemorações da independência de Kosovo, país-incógnita, comemorações não-planejadas, sem discursos nem populismos, simples folia da massa.
Contagiante. E por quê? Meus sentimentos se exaltaram ao notar a importância do fato para tantas almas felizes, e o ar foi preenchido de algo que não ordinário, algo de sublime, de literário. Algo externo à ordem comum do mundo, pois que aquele dia significava uma ponta de iceberg em tantos dias passados atrás para alcançá-lo; e também refletia uma glória de tantos dias vindouros, que estaria gravado nas memórias como marcante, seria lido nos livros de história e cantado a cada aniversário que fizesse.
Esse dia era uma dobra na linha do tempo, pois que esta segue retilínea enquanto nada acontece, segue preenchida de uma cor só monótona, até que de repente faz curva em uma nova dimensão, e esse momento da curva dá significado a todos os passados e será o ponto de partida para os futuros.
Tempo efêmero, mas que ao mesmo tempo eterno.

Perguntei: seria essa situação o arquétipo da fonte de inspiração?
(Partindo de que minha noção de obra de arte seria a que me inspirasse; e de inspiração a que me tragasse ao estado contemplativo, ou que me provocasse ímpetos de compartilhá-la, ou produzir outra obras.)

Notara muito dantes que a dor é literária, que as mortes e guerras servem aos livros e à arte. Ocorre-me que esta dor em sua maior parte é de rasgo, de deixar marcas na posteridade. Talvez poéticas sejam todas as curvas no tecido do tempo, todo o questionamento do tempo-espaço cotidianamente óbvios; ou mesmo todo o pensar fora de si, o pensar através do outro, o sair do corpo e da cosmovisão do dia-a-dia.
(Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia?)

Talvez por isso a noite inspire: esconde o mundo? É outro mundo, o mundo escuro, oposto ao óbvio iluminado.
E as drogas nos trariam inspiração pela alteração do espaço-tempo, pelo questionamento do eu ...

Porque o texto não literário, o que não inspira, que não é um mundo-em-si, o texto mais cru e frígido, desapaixonado, tomemos como o ensaio científico bruto, os dados de computador. (São os textos-reprodução-do-mundo, representação. Que descrevem pormenores como se por conceitos possuidores de existência própria, captáveis por qualquer leitor. Fingindo que poderiam descrever a música para o surdo. Fingindo que as palavras não funcionam somente através das catarses, das metáforas, do leitor reconstruindo um texto à parte.)
O que inspira então talvez seria a negação destes, a negação de Platão e das idéias imóveis, que elas possivelmente funcionariam se o mundo fosse estático, mas as correntes do tempo provam a pluralidade transformante da realidade, e por isso nos violentam a paz esclarecida, nos trazem escuridão e medo, pensamento.

Talvez por isso as plantas inspirem, serem seres a se mover no tempo noutros ritmos de difícil captação. Talvez por isso as nuvens inspirem, por não serem definíveis no espaço, sempre em movimento.
Guardas-chuva me inspiram por fingir volume, por quando abrir serem explosão; que as ilusões ao serem reveladas redefinem o mundo: o choque do desmentir é grito-orgasmo, rasgo.

Repensar o espaço-tempo não é que um tipo de pensar pelo/através de outrem, reinventar o mundo. Os óculos de Proust: não procurar outras paisagens mas outros olhos.

Talvez Deleuze esteja certo e o importante nessa história toda seja o devir, a transformação. Que só importa definir estados semi-estáticos de antes-depois para perceber as marés de mudança atuantes, a lógica ilógica artística do real.
(seria viajar um grande devir?)

Que nós, povo da aparência/essência, povo das crenças no uno; o que nos leva além de nós, e nos arrasta para alhures, é desfazer esta cosmovisão.
Isto nos faz sair dos paradigmas, conseqüentemente sair dos medos e felicidades da vida mundana, se lançar externo a si e ver-se por outros olhos.
Não diria ver o mundo em sua Verdade, sua coisa-em-si; diria ver o mundo de outra forma, e a divergência entre os dois nos levaria além?
- Nos nadificaria... será tudo isso aqui uma divagação existencialista?

E lá vamos nós, mais uma escala no mundo dos livros, atrás de outros filósofos a assimilar. Que inferno, pois só queria escrever aquis-e-alis, nada de ficar vangloriando os já-perpétuos.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Round Trip (Trip das bicicletas)

De volta à Europa, à Holanda, a Haia, ao Mauritshuis, à sala à esquerda quando se sobe o terceiro lance de escadas; de volta à Vista de Delft; algumas horas de contemplação, entremeadas por pausas para capuccinos da promoção e sanduíches roubados do café da manhã do albergue, me recompensaram com a tão almejada compreensão da importância da parede amarela, a obra-prima de Vermeer.

E assim,
o mistério iniciado meses atrás por um quadro,
se desfaz,
como um laço de fita,
como um bolinho desmanchando em chá,
pois que proust se abriu em leque desde então,
conforme as páginas destrinchavam na minha frente,
e suava assimilar os eternos,
suava assimilar cézanne e bacon, e kafka e pink floyd,
a história da vista de delft e de bergotte que morre na frente dela,
e todo o contexto de uma filosofia da diferença,
uma filosofia que vangloriasse as singularidades,
veio se abrindo para mim,
quase como se esses meses no brasil tivessem sido uma longa escala nos livros,
uma pausa pra continuar aqui,
para entender aqui,
posta a própria viagem começada lá em amsterdam,
terminada aqui em amsterdam,
num reviver de tantas cenas e cenários,
tantos quadros e diálogos,
tantos filmes vivos,
uma sucessão de déjà-vus que entortam o tempo e redefinem o mundo, fazendo sentido.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Cerbère

Era uma vez, em um buraco fora dos mapas da França, quando três fadas madrinhas me abordaram flanando, me inventaram queijos e suas línguas sorridentes, me atiraram n'água com zombarias típicas de criaturinha.
Paguei molhando pés em Mediterrâneo, lagarteando em praia de pedras, fingindo filmes franceses.
Sem dúvida tudo planos longos de gotas salgadas de mar, que terminaram indo dormir em minha língua cansada.
Paris amanheceu triste, e sem assassinatos.

a Bachelard

Quando, naquela idade, a idade do agora e dos planos, todos brincavam de pintar o futuro;
Ela passou aqueles dez anos de prazo esculpindo nuvens, todos os dias e noites, parada no topo de sua montanha, sonhando as belas nuvens.

"Trate de tomar a sua sopa, seu maluco, mercador de nuvens!"
(Baudelaire)

a Jonathan Strange

Vento escreve na grama,
Nuvem escreve no céu.
Seria a grama mera tela, mera desculpa para o vento balançar os teus cabelos?

"Quando me ponho a mordiscar os teus cabelos elásticos, parece-me que estou a comer recordações."
(Baudelaire)

sábado, 22 de dezembro de 2007

Noite

Noite lembra aquelas distopias fantasmagóricas, de sair nas ruas sem luz e tremer no escuro, ser abordado por vários duendes de sorrisos estáticos, perigosos como estranhos, lembra aquelas mulheres em êxtase agitando os longos cabelos num frenesi sem mente, animalização humanamente exclusiva, corpo experimentando espasmos sem nexo que se combinam em danças ao redor do fogo, lembra velas acesas só para dar medo dos mais distantes, velas que acendem uma bolha de falsa segurança, frágil, tremendo ao vento que murmura, que grita, lá distante, sem saber quem, e esbarra nos ouvidos desatentos fazendo as cabeças girarem aflitas, lembra às vezes as nuvens cinzentas de chuva, ou pelo menos a cidade que desponta de um universo de tempestade, construção fria, morta, repleta de semi-conscientes perambulando, suspiros e relances de olhos, movimentos nas bordas do campo de visão, o invisível, noite fecha os olhos ferindo com garras de aço só para chorar querendo abrir, espernear na cama insone, desesperado, afogando nos lençóis de pano, querer abrir a janela e pular, virar folha seca redemoinhando sem mente, vontade de esconder atrás das roupas, dos óculos, das vozes, dos sorrisos, se esconder dos assassinos, dos vampiros, dos animais, dos estranhos, dos que são tantos, de olhos abertos, os que vêem e não se vê: porque acender uma vela não ilumina nada, é como gritar sozinho na noite, ninguém socorre, e é pior, porque aí vira vítima, vira presa, os outros que não se ouve encontram, não se está mais escondido, é estar nu de novo: à noite se sai enrolado em pano para não ser pego pela brisa fria, enrolado em pano para tapar bem os ouvidos, e sai para andar no escuro, nos becos, rodando os cabelos como moinho de folhas, espreitando,
tão chorando como os pelados,
tão sozinho como os pelados,
e que vai lá e salta num súbito,
salta das trevas, em espasmo,
rasga todas as vestes vizinhas,
grita e mata
morde e mata
gritando e sorrindo
bebendo sangue e sorrindo
fumando e sorrindo
sorrindo estático
sorrindo duende
sorrindo vampiro.

sábado, 1 de dezembro de 2007

Agoralidade

Epígrafe do nosso tempo: ...e eles achavam que a vida estava morta!

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

ViajarajaiV

Viajar.
Viajar contém em si um perfume já sorrindo, abre os cabelos em leque ao vento novo - vento frio e azul de nascer-sol. Quando se viaja tudo é-se semente e também partilha em magia: desrevela-se em espasmos a rejuvenescer, gritos, revitória ao sempre. Ah, como é bom viajar!
Viajar devia ser palíndromo: viajar é ida volta. Que na ida somos um e na volta dessomos de novo, desesquecemos caminhando pulos aos sabores da infância deixada atrás. Viajar é ir não voltar mais, e voltar. Glória efêmera em desconhecido, infinita em noite, engolindo e bordando todas as outras! Felizes os pássaros que viajam o ano longe, queria eu ser também músico e vaguear no porvir! Ou queria eu música - descrevo:
Na ida erupção, arranca sentidos e transborda: se em nuvem ou tempestade, paira indecisa. Rio-me só de lembrar: matar-se em prazer sem horizonte, levitar em planos possíveis, prováveis. Que gosto não teria viajar às estrelas?
Enquanto a volta é sua gêmea, rouba-lhe gratidão e fica-se em desgaste - que cansa fugir! O relógio persegue de vassoura na mão, arrebatar encantos da eternidade. A volta é milagre sobre-viver, tragédia da superioridade aos que não foram. A chegada é desfim, o repouso outra aventura.
E antes de viajar, há dobrar a perfeição: plantar mapas na cidade alheia e desdobrá-los, emendar sonhos nas florestas, colorir as pedras de lembrança. Tão espelho ela seria que ao inverso seria-se sem dívidas, enorme vulcão de cor! Pois quem já não sabia muito mais querida a idéia que o ser, e imaginar é cantar destinos. Talvez tropeços em lampejos da realidade na jornada escura, mas, cego ao branco-preto, só se vê o mundo em cheiros de capim nascendo.
Eis aí ao que só resta fim: rir e voar! Para casa, para inverno, calor só aquece em pequenos goles. Quando será a próxima? Não sabe. Mas já se descortina-a ali atrás do palco, desde então recitando a si mesma os futuros versos prediletos, minhas canções favoritas!

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

I (rascunho)

Cena I:

Digladiando as setas do relógio, fazia uma finta, ou cruzava-me os braços, esperava, atacava e esquivava. Mas perdia terreno, e corria - o relógio não conseguia ignorar: ou lutava sem esperanças, ou morria. E ele chovia em mim, e me estava encharcando; a água percorria até as veias azulando o dia, esvaindo como fios destrançados. Cada gota roçando meus cabelos soava um segundo a secar na clepsidra, deusa-mãe da pressa reinante. Os pés não se viam lado a lado há tempos: seu amor platônico ignorado enquanto cumpriam o papel sagrado de esticar e dobrar espaço e tempo - quando de repente gritaram em protesto: abraçaram-se na virada da esquina, derrubando-me, golpe de estado, atiraram-me de cabeça nos mares da derrota, enormes poças d'água de tempo perdido. Quase afoguei, levantei aborrecido, praguejei.
Aí sofro um convite.

Cruzo a rua tranqüila, cantarolando comigo mesma canção nenhuma, simples acompanhamento do tamborilar das gotas nas asas do guarda-chuva, a percussão imprevisível. Música de dia carregado, é música de quem guarda o sol escondido atrás da boca, ali debaixo da língua; ou de quem quase ouve seu sono em leito de nuvens, os roncos de trovões. De quando em quando balanço-me toda e deixo a água acordar rumorejando. Molhar um pouco assusta e faz viver; saio correndo então, leve feito sabonete escorregando pelas ruas lamacentas, soando forte em ambiente, dividindo o mundo em dois; até que ouço um Outro, um murmurante à quase inaudível por trás de sua capa de mau tempo, soçobrar numa virada de esquina, indo-se mergulhar na minha frente. Levanta-se, praguejando confuso, espalhando sons diversos em tons diversos em direções diversas, e no que sou invadida por intenso universo de distúrbio e explosão, e no que os segundos demoram-se a martelar nas nossas cabeças,
"Posso ir contigo?"

Do alto da janela miro a rua, a chuva fina incessante lavando ar como pára-brisa. Desenho solto e leve, sem pensar, cabeceando sono, dormito. Acordo em que um Outro desabando em poça d'água, quadro berrante de outro matiz, líquido disparando por todos os lados, um meteoro a espatifar oceanos. Suas roupas todas transfiguram-se de cor em tantos tons que ao levantar-se ele é puro arco-íris metamorfoseante. Seus olhos faíscam, seu peito queima, posso até ver-lhe as pragas que imagina a saltar pela boca. E nisso soma-se à cena a mais óbvia e inesperada figura, trajando longas capas amarelas de chuva, coroada dum enorme guarda-chuva negro, pilar de escuridão e calma, que irrompe no multicor descaso alheio para ocasionar o fim da tempestade.


Cena II:

Na praia, me aproximo devagar, pisando com cuidado as tantas dunas de areia branca-amarela-marrom, multifacetada em tons escuros claros, sombreadas aqui e ali de imprevisível, iluminação difusa do dia azul-cinza, dia de céu uniforme estático, céu plano-de-fundo, teto liso. E sigo esmagando as esculturas mais insensatas e criando escombros de todos os tamanhos, rodeio o horizonte com os olhos vastamente apertados, pausando eras a cada obstáculo da paisagem, avaliá-lo, criticá-lo, imaginá-lo em tantas diferentes posições, guardá-lo, tão familiar mas irreconhecível, até que capturo ao canto dos olhos um aceno, uma expressão, um rubor percorrendo as faces: ela, trajando tantas cores que já nem nomeio, sorrindo alva iluminando o ambiente. [tudo não seria cinza até ela surgir? pelo menos um pouco.. reescrever] Estaco, e, perdido no jogo de luzes, tateio uma página coberta de idéias e reflexos, e ponho-me a duelar com as cores [?] desembainhando canetas e lápis [ele deveria era fazer um aquarela], colorindo e esboçando sonhos, mundos.
Desenho.

As longas ondas estouram placidamente, longa e calmamente - infinitos continentes aportando e despedaçando, indo-se em vão, encabeçados de bolhinhas a estourar agudas, a arrastar areia em todas as direções, desviando dos banhistas, ondulando ao vento. [] E os passos, tantos, esmigalhando o solo de silêncio pé ante pé, envoltos num murmurar incessante de vento nas orelhas, um suspiro interminável, carregando em si tantos outros, ensurdecendo-me a muitos amigos, atrapalhando diálogos a vozes variadas, torcendo temas, universos encantados que se diziam ali para mim, o resmungar longínquo de companheiros atravessado pelo rima-rima do coração e do sangue pulsando, do marulhar da respiração. E um novo som desperta-me do transe, e percebo num espirrar tão característico meu acompanhante, viro-me ao seu encontro e grito-lhe. Ele ouve, e responde grato, sai-me a correr na minha direção.
Sorrio.

Mormaço, dia nublado, domingo, saía apressado pela areia ardendo quente nos pés, percorria a multidão, ensurdecido e confuso, cego pela massa e pela luz, fotofóbico, cruzava em passos rápidos já suando, recusando os ambulantes, desviando de tantos inúmeros passantes que mal notava, só o suficiente para classificar e esquecer, no meu mundo preto-e-branco de sombras feias e ruídos sem nexo, de claustrofobia, de tédio e irritação, me balançava aflito varrendo a paisagem sem dar atenção aos detalhes, só para somá-la à conta interminável de segundos perdidos. Fui até a beira-mar esfriar os pés, fui pego num estoirar de vaga e, assim, finalmente recordei doutro dia, doutra água, e me inflei de energia como pipa e saí carregado ao vento sem rumos, até de súbito notá-la a presença melodiosa e colorida, perfumada e única; esqueci pressas e calores, beijei-lhe nas sombras do guarda-sol, ou só imaginei, ou só desejei, mas ela me puxa a mão sorrindo sempre e cantarolando.
E repousamos.

sábado, 10 de novembro de 2007

II (rascunho)

Em chuva, escorria Nuvem.
Sozinho, malvestido, maltrapilho, fumante. Estava atrasado, e cada gota derrubada nos seus cabelos desviava um minuto do percurso. Relógio incessante. Fumava, cigarro atrás de cigarro. Dedos tamborilavam no casaco ansioso, maldizia o tempo.
Corria. Investido de fúria. Agarraria folhas voando. Redemoinhava ao sabor da tempestade. Era sujo, infeliz.
Numa esquina, tropeçava. O fim.

Observava um louco atravessar a rua e, intrigada, sorria-lhe.
“Quer vir comigo?”
Ofereceu-lhe espaço debaixo do guarda-chuva e ele, pingando lágrimas de outono, aceitou, com um aceno de cabeça.

Andaram. Ela sorria. Ele ainda escravo do tempo. Até que ela parou.

Em uma eternidade, os dois se beijaram. Ou foi ele que a beijou. Ou foi seu reflexo nas poças que o fez. O pensamento lhe cruzou a mente como relâmpago refletido nos olhos púrpuras dela. Que sorria, incessante. De qualquer forma, o tempo parou.

Já não chovia mais, jorrava sol nos becos sujos. Quem lhe dera saber quem era.
“A chuva acaba com todos nós.”
“Eu estou atrapalhando?”
“Você me faz companhia, eu lhe levo aonde quiser.”

Jamais entendeu o que se passou ali. Guardou aquele reflexo nos cofres mais ocultos da memória, para não abri-los de novo, não enquanto chovesse.
No dia seguinte amanheceu brilhando.




Nuvem era jovem, tinha seus anos levados a cabo de improviso, era desses insatisfeitos, que jamais haviam sentido aquele prazer tão simples de aquecer os pés na lareira e dormir ao sabor dos pingos lá fora. Era desses que inda descompreendia o ribombar repentino dos trovões no céu vazio. Mas não era de todo tolo: era também dos que são insatisfeitos, daqueles que já viram o belo e não o descobriram mais, dos que por mais que beba jamais satisfaz a sede. Dos que só beberia vinho.
Daquela feita, descobriu o sorriso do firmamento. Descobriu selá-lo carta com beijos escondidos sob as asas dum guarda-chuva. O suficiente para deixá-lo insone pelo resto da vida. Jamais voltou ele para casa, jamais conseguiu atender ao tal chamado do relógio.
Arrivou atrasado. Nada real havia ocorrido. Nada desculpava sua demora. Faltavam-lhe provas da glória que exibia. Não ligou para as punições, sofreu estóico. Sorria em eco. Os olhos, em outros tempos. Não importava que rasgassem sua carta.
Fora enfeitiçado. Sem saber como, mas fora. Não era chuva que bebia agora, havia assistido a um milagre. A partir daí, saberia a si em sonho.

Ela transbordava na paz roubada. Já não sorria, tossia longa e pausadamente. Mas satisfeita. Seus dentes rasgavam a carne macia de inocente. Era bruxa. Era dessas que não se encaixa em uma definição vaga, em um grupo a ser definido. Era um guarda-chuva, exposta ao vento e à água, ao sol e às vezes, a passantes encharcados.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Alegoria


Éramos todos cobertos de neve, ao rigoroso inverno
Saíamos a balançar guarda-chuvas fechados ao vento, gritávamos eco! eco! no topo das montanhas cinzas.
Pastávamos.
Eis um que mordido, se fugiu e escondeu.
Eis ovelha negra.
Saíamos a balançar guarda-chuvas fechados ao vento, subíamos à sombra mais alta,
Gritávamos para fim:
Eco...
O corvo negro, a zombar e morder,
Convidava mordendo, doendo.

Um dia desses, tomado de ânimo, tomado de flecha cravada no peito,
Dessas atiradas a cegas por ela maldita,
Ela ave - ovelha mordida;
Um dia desses saltei janela afora, jorrei sol,
Escrevi branco no céu azul.
Todos me seguiram - todos ecoando comigo;
Mas tantos abriram o guarda-chuva que levitei.
Meu algodão espalhou pelo céu e virei nuvem.

Hoje, quando abro olhos,
Fito o céu com raiva.
Tropeço-me em tantos ecos da nuvem que afoga luz,
Armo uma flecha no arco.
Que a nuvem branca virou montanha desbotada;
Que os guarda-chuvas abertos pros outros pra mim estão fechados e balançando;
Que tantos flutuantes naquele céu mais parecem escarpa dura,
Parede dura, infértil, morta.

Puxo meu arco e mordo, derrubo a nuvem, ovelha de guarda-chuva.
E que nós, aqui fugidos, escondidos,
Reneguemos as glórias pálidas de museu.
Hoje à noite comeremos a carne dos nublados,
E procriaremos aves de cor e de voz, aves da cor e da voz, corvos.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Plano de Amor

Por que toda vez que vejo uma mulher bonita ou charmosa
tenho vontade de falar eu te amo?


Meu projeto de paixão é este:
Alvejar a passante com uma tirada de chapéu,
Transmutá-la em ser sorridente, e fim.
Que toda a relação seja assim:
Deixa-a resumir-se a sorrir-me e viciar-me
Deixa-me cuidar de providenciar sua satisfação.

domingo, 28 de outubro de 2007

Morte

Jamais voltarei. Jamais. Por Heráclito, eu morri! Eu morri!
Se em todos os outros encontros que tive sofri, neste, acima de qualquer um, rasguei-me a ponto de tornar-me irreconhecível. Se tento descrevê-lo é somente para homenageá-lo. Dali então minha sina era, sempre que esbarrasse nalgum sorriso comparável, reduzir-me a exclamar, brandindo um guarda-chuva fechado: «Zut, zut, zut, zut!*» e nada além. Minha morte foi tão prazerosa, ah se foi! Alguns dizem que homem nenhum deseja a morte, discordo. Explico. Anseio a morte acima de todas as maravilhas do mundo. Desde aquele encontro terrível vagueio insatisfeito com meus eus vulgares, sou eterno visionário, insaciável ante o novo. Suicido sempre que posso, sempre que é dada a oportunidade. Mas nenhuma morte ressuscitou-me tão brutal quanto aquela. Aqui faço um parêntese. Minha morte almejada é a do espírito. Não que não me ame como sou, não, Ha! Comparado com os outros que rastejam por aí, sinto-me nas nuvens, sinto-me próprias nuvens. Mas como nuvens enxergo estrelas acima, não sossego enquanto não derrubá-las, alçar-me às suas profundezas mais inalcançáveis. Se me fosse então imposto deixar a carne, dissipar-me de todo, deixando para trás apenas as poucas jóias que já confeccionei, prantearia longamente. Feita aqui a distinção, alongo-me pela morte da alma. Sim. Naquela tarde impossível foi-me aberta uma porta, uma porta que muitos já me haviam descrito, da qual já havia lido extensos louvores, mas acreditava-a fruto da imaginação dos ébrios.
Ébrio então. Como diriam alguns, estar sempre ébrio é o único problema. Arrojei-me na grama, estirei-me, estiquei braços e pernas, ressonei, dormi eras, acordei de imediato, espiei o arredor, meus companheiros de jornada ali estavam, todos em seus lugares, todos alhures, ah sim. Caímos então, jogamo-nos do cinza fácil, atiramo-nos direto no centro das chamas, sem escrúpulos, sem pesar, queimamos, ardemos, choramos, rimos, Ha! Como foi boa aquela morte da alma, já não se percebia aonde se estava, mesmo sabendo-o; o coração gritava ‘vida!’ a cada fôlego. E corria, corria como vento, corria como vento na grama, rodeava as árvores, subia, descia, atrapalhava os cabelos soltos das francesas, cabriolava, saltava, dava cambalhotas, mais rápido do que a luz, do que o pensamento, invisível, indetectável, jamais sonhado! Sentia-se naquele momento a própria presença dos espectros do além a chamar, a convidar, e, inferno, aceitando aquele convite garanti-me perdido, perdido com gosto, talvez para nunca-mais, nos labirintos do pensamento. Sim, porque eram irresistíveis os prazeres que nos eram oferecidos. Não sei quanto aos dois outros parvos que me acompanhavam então, não posso dizer pelos seus nomes estas palavras que reclamo ao meu. Aquiesci, feliz, sabendo da longa queda que aguardava.
Se quero saber fatos concretos, se quero uma descrição do cenário, da brisa úmida, do vestuário falso, da luz no ambiente, embebida em nublagens, do pesadelo encantado que nos abraçava, da relva verde, tão verde! a agarrar nos nossos pés, das filosofias que ali criamos, do amor que experimentamos por todas as coisas do mundo, e de fora dele, das lentes novas que se abriam aos nossos olhos, do redescobrir dos mais simples objetos, da comunhão, da arte, da essência do universo que nos foi apresentada? Para que quereria eu sabê-lo? Guardo na memória o simples despertar das novas cores do mundo, dos feitiços que só se vê pelo canto dos olhos, e desde então erro pelos caminhos do convívio, a estudar os outros tantos como eu, a testá-los, a encontrá-los e prová-los, a tentar matá-los todos para que no fim só reste a mim, morto, vivo, em todos eles, em mim mesmo; também refletido numa jóia nova, na rocha, em pequenos ídolos de barro, estatuetas, monumentos, memórias e tradições, histórias, leis do cosmo, eternidade.
Aí sim sou sereno.

*em francês: « Uau! »



“Mas o homem que vem de cruzar de novo a Porta na Muralha jamais será igual ao que partira para essa viagem. Será, daí por diante, mais sábio, embora menos arraigado em suas convicções, mais feliz, ainda que menos satisfeito consigo mesmo, mais humilde em concordar com a própria ignorância, embora esteja em melhores condições para compreender a afinidade entre as palavras e as coisas, entre o raciocínio sistemático e o insondável mistério que ele procura, sempre em vão, compreender”.
As Portas da Percepção
Aldous Huxley

sábado, 27 de outubro de 2007

Cárcere

Ao topo da velha montanha eu subi, lá que minha vida inteira manifestou; eu ainda estou preso à velha montanha, ainda fico pensando-a à noite, quando já não podem me ver fugir, quando já me estou sozinho com ela, eu subo a montanha aos passos calmos e aguardo. A montanha é meu lar, meu fardo. Quando desci à primeira vez, gritei-lhe um desejo: desejei eu que a visse, desejei que conhecesse sua forma corpórea, desejei que pudesse amar-lhe e não deixá-la já bem longe. Queria eu encontrá-la aqui pequena, aqui colina, aqui morro, aqui banco de areia, aqui torrão de terra, aqui no meu jardim. Mas depois de pedir-lhe tanto eu a deixei correndo, fugindo chorando, acreditando-me liberto, já saudoso do cárcere. Nisso que o tempo me foi tirado e lá fiquei, perpetuamente, servo arredio, simples acréscimo caprichoso em sua potência infinda, leve detalhe no gigantesco corpo de rocha. Ah sim, podes dizer, minha carne de lá saiu contente, considerando-se rápida e traiçoeira – minha carne é feita de roubo e mentira – com suas pernas tortas rodando ligeiro para a distância. Ah sim, podes dizer, sabia ela que não poderia ser contida em sua empreitada, sabia que se furtaria de volta ao tempo quando bem entendesse. Ah sim, ela fugiu, minha casca fugiu aos confins da régua-memória - mas esqueceu o principal: ainda estou lá! Sonhando o sonho da montanha, pensamentos lentos do monumental, simples natureza morta a lembrar os dias de correria como longínquos, como passado. Ah, meu amigo, eu sei o que vais pensar, eu sei que pareço louco aos tão comuns, mas fui tomado de sortilégio ancestral, a magia do imenso, e sou tão pequeno, minúsculo até, meu amigo, estou preso. Se algum dia fiz-te bem, se algum dia acreditaste confiar em mim, ah, eu te peço, se pelo menos imaginas que meu retorno te será proveitoso, que minha dívida te será de algum modo útil, por favor, eu imploro! Encontra-me a montanha, satisfaze meu desejo, satisfaze o desafio que lancei às forças ancestrais, sim, acha a maldita, acha-a aqui entre nós, disfarçada, traze-me ela e mata-a! Na minha frente! Rindo de prazer! Quero o seu sangue correndo ao meu redor, quero banhar-me nele, rir da vitória efêmera, rir da vida fútil...!
Como? Se desse modo poderei tornar à mortalidade? Mas se não será precisamente o contrário! Tolo! Rirei de ti também, reles pedaço de carne, Ha! És tão ingênuo... Acha-me ela. Quero desfrutar alguns segundos de grandeza antes de minha maldição volver à mente, antes de perceber minhas algemas inimaginavelmente poderosas. Nada pode deter a montanha, meu caro, somos meros grãos de pó, juntos seremos torrões de terra e nada mais. Quão longe está a eternidade da rocha da efemeridade da carne! E minha carne é feita de roubo e mentira, minha carne me trai e foge, me deixa preso à Imensa, à Única. Não, não, não. Já não posso mais viver como tu vives. O máximo que consigo é contemplar-te, escrever-te belos versos e contar-te minha história. Sou-te superior, no mais. Algum dia talvez atinjas minha glória de vassalo, meu naufrágio.
Vai! O tempo te urge! Volta depressa, e talvez sejas recompensado com alguns mínimos átomos, desses vazios, de notas de pé de página...
Vejam só, ele realmente foi! Ah, que diria a montanha sobre isso, com sua voz de uivo, seu vento amigo a roçar-lhe as faces de granito, que diria a Terrível. Consegui capturar mais um na minha sina, vejam só. Mais alguns e construirei um pequeno banco de areia, talvez não mais do que o suficiente para naufragar alguns outros e aí...! Ha!

Armadilha

Fui-me um dia ao parque em busca de inspiração. Tarde quente de verão e eu terminara meus afazeres, desejava momentos de repouso e poesia fácil. Abri-me um mapa e guiei-me pelo instinto, rodei-me de olhos fechados até tonto, escolhi o caminho. Quando não estamos em casa, qualquer lugar é bom por igual: o gosto do novo é sempre esplêndido à mesma medida, em todos os locais e paisagens; qualquer visão do desconhecido aquece a alma de euforia transitória – ela só quer a novidade, só quer irritar o Hábito. Quando não se tem planos deve-se inventá-los, deve-se rodar cego e seguir a estrada que os pés escolherem, nenhuma outra seria mais proveitosa. Fiel à minha sabedoria mundana, atingi assim o melhor parque de todos naquela cidade tão nova. Árvores, sombra, belas pessoas e agradáveis arredores. Sentei-me, ri comigo, tão velhaco, encontrara o melhor parque de todos, encontrara a melhor grama e as melhores árvores, meus bons pés, tão sábios, levaram-me àqui, alhures estaria vindo àqui em sonhos, alhures não seria tão feliz, tão tranqüilo.
Felicitava-me ingênuo, inofensivo, abri os olhos, cansado do brincar cego, do guiar-me pelas extremidades, que surpresa! Um espetáculo! E foi aí que meu plano inteiro seguiu por água abaixo e dei-me conta do erro, dei-me conta do que era tal encontro terrível com os faunos, dei-me conta de Quem me era dado conhecer ali, naquele instante. Pois estava eu satisfeito com minha vida apagada, e ria a esmo. Maldição então aquela de encontrar justo ali, no melhor parque da cidade, alguns terríveis servos da Inefável, a honrar-lhe e louvar-lhe. Mas vamos ao episódio.
Abri olhos e ouvidos ao ambiente e de imediato identifiquei logo à frente, a poucos passos de meu refúgio, o caos sendo orquestrado. Meia dúzia de fanáticos despiam-se da secularidade, desembainhavam instrumentos muitos e deles extraíam odes à sua Amada. Eram claramente servos antigos, já acostumados ao fardo: acreditavam-no dádiva celeste e divertiam-se com seu labor ingrato. Disputavam uns com os outros as atenções de pequenas manifestações da Perfeita, sua diminuta platéia de amantes, que rondava e aplaudia. Descrita a visão, passo às suas catastróficas conseqüências sobre minha paz.
De início congratulei-me e admirei, nada além. Mas conforme se deu seguimento ao culto fui compreendendo seu objetivo, vislumbrando a deusa pela qual suas vidas eles sacrificavam. E sobressaltei-me, e revirei-me, e olhei em volta para ver se não estava sonhando, o que descobri ser verdade – era um intruso nos próprios sonhos – e então em minha alma gritei e pedi socorro enquanto perdia-me nos labirintos de ilusão. Ah, como fui desprevenido! Contemplei para sempre a execução das obras apócrifas; jamais desviei o olhar. Qual lobo, colhido pela armadilha; qual amante, preso pelo pé ao túmulo da amada; qual sábio, aprisionado numa sombra de ave, talvez para nunca-mais; fiquei ali, inundado por revolta e ambição. Morri naquele momento, e hoje sou algo intermediário entre o ingênuo feliz que já fui e os faunos servis que aqui maldigo.
Por isso clamo: tenham cuidado, tenham muito cuidado, pois quando se sai à porta e se deixa os pés guiarem a jornada, nunca se sabe aonde se poderá chegar. Nosso corpo é traiçoeiro e vive a conduzir para ciladas – pudera, é pela carne que Ela se manifesta. Cabe à mente arguta decifrar suas artimanhas e guardar-se do tamanho mal que nos espera a todos. Com sorte, a carne morre sem jamais conhecer esse lado sombrio da existência, é enterrada incólume e volta à insignificância afortunada dos esquecidos.



"Imagina. Ah, eu sou um mero aprendiz. Eu estou tentando escrever, vocês estão tentando tocar. Não é a mesma coisa? Italianos. Eu peço um violino e ele tira. Vou pedir uma música. Afina esse diabo logo meu filho. A ansiedade está me matando. Viro-me, tornar mais óbvio o foco da minha atenção. Se bem que as duas ali, até agora alemãs, violinista e cellista, belo espetáculo. Por favor, desembainhem seus instrumentos. Não dá pra morar longe disso não. Meus sonhos se passam aqui, estou intruso no pensamento. - 'Ele passa, um ar sombrio, perdido em pensamentos. Não se divisa reação no seu rosto ao cruzar com os músicos de rua. É um momento solto de poesia no meio da vida cansada. Todos os outros se repetiram demais e foram esquecidos.' - Aproximo-me: intento desvendar seus sentimentos. Zombam-se e disputam, como crianças. Erram e aceitam. É tudo improviso, não há regras. Como eu posso florear esse momento? Dá para sonhar dentro de um sonho? Só o que me ocorre é interferir. O de laranja, óculos John Lennon, sou eu.
Sou teimoso, e fico aqui horas se for necessário."

texto de Munique, parque.


terça-feira, 2 de outubro de 2007

Convite

Papel,
Flutuas em correntes de naufrágio, eternas tormentas de mutação.
Persigo-te como quem sonha o acordar, aderno-te sem escrúpulos:
Sou suicida ao querer cortar-te os pulsos.
Meu corpo é o teu, e ainda foges de mim, infeliz,
Desfazes-me em tiras, mas só para melhor envolver-te:
Espalho-me pelo teu rio de navios mortos.
Quando menos esperares, estarei lá,
Invisível nas fisionomias dos teus "poetas" prediletos.
Sim, grande farsante,
Infligiste-me tamanho desespero que agora já nem sofro:
Cambaleio,
Por entre teus mares de tinta,
Trajando máscaras cinzentas de ordinário.
Querido carrasco de prazeres,
Aflijo-me com tua distância:
Como serias bem-vindo em meus lábios,
A provar-te a carne danosa,
Trocar-te as glórias de papel?
Velho inimigo,
Aguardo o dia de meu triunfo, nossa morte,
Pois enquanto me multiplico, multicor,
Teus segundos se esvaem, e repito:
És fruto do meu querer, és filho do meu pensar, és meu, meu, maldito, que não fujas, és meu, meu amado barquinho de Caronte,
Sem ti, que sou?
Nem morro, dissipo.
Impede tamanho suplício! Depressa!
Abraça-me no leito rochoso onde arranhas tua âncora!
Socorre-me destas lonjuras do comum,
Arranca-me deste oceano sempr’igual;
Comer-te-ei sem remorso,
Sorrirei ímpar.



Chama-me do que quiseres,
Fim, Amor, Musa, Paz,
Sou todos! Graças a ti!

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Nostalgia II

Me peguei olhando fotos e memórias antigas
e li e recordei de cenas que não se passaram comigo
Me esqueci. Esqueci que minha vida não começa há um segundo
esqueci que estou aqui, e estou aqui há tempos
Às vezes estamos tão presentes que só estamos assim
e fechamos os olhos para a multidão de outros eus que se passaram
Os pensamentos de hoje, que lutamos para derrubar
então, postos contra aqueles todos, aqueles verdadeiros inabaláveis
Ha! Eles riem, e eu me sinto pequeno ante a força que já tive.
Engraçado, olhando de fora agora,
para um passado tão distante,
eu vejo tudo através de um vidro de Ideal
e é bom.

Pergunto: que me vale preocupar-me sem limites
e reclamar se algo não sai como planejado
se quando eu olho para trás e lembro de tudo que já sofri
eu rio e regozijo. Quero voltar, e continuar inocente.

Tempo. Me peguei olhando fotos antigas e aí sim.
Me peguei já velho, indiferente, irreconhecível, de modos que não aprovo.
Me peguei ali, olhando para mim como se eu fosse passado
me achando tolo e inocente, criança
e arrogante e descrente, velho
Me peguei outro, e me esqueci.

domingo, 16 de setembro de 2007

Nostalgia

Vejam só que engraçado:
Estava eu agora há pouco ali, sentado solto, ruminando em tolices
e de súbito me acometi de irritar-me com todos aqueles papéis jogados avulsos no arredor
e saí a catar e a empilhar, e a arrumar e a limpar.
É daquelas horas em que surge na gente um espírito fauno
que nos faz pegar e finalmente pôr em prática o antigo plano gasto
e que não pode ser interrompido senão foge e se esconde.
Só no próximo por acaso que a gente esbarra nele atrás do sofá
e começa a dança louca novamente.
Pois bem.
Dei em mim vibrando um frenesi de arrumação e já ia jogando pilhas de manuscritos janela abaixo enquanto fortificava-me num castelo de cartas amassadas seguindo a minha lógica caótica e obsoleta.
E tanto tempo gasto nisso que aos poucos o espírito faceiro me foi revirando a alma e arrumando tudo lá dentro também.
E tanto foi que de repente estou eu olhando pro velho retrato que já vi e revi
e de repente estou eu jovem, fixo e preso na moldura, olhando para eu envelhecido estranho, a divagar pensamentos simplórios e bruscos, a esquecer que me deve a vida e o sorriso tolo de nefelibata.
Eu digo, todo mundo sabe que às vezes a gente esbarra em si mesmo e ri, surpreso de não ter se percebido antes. O que todo mundo esquece é que nessas vezes em que esbarramos em nós mesmos nós devolvemos o olhar de louco e não só nos distraímos com o que foi mas também gritamos e berramos pelo que virou.
Não,
Não sei se foi aquele momento idílico de autocontemplação prazerosa
do velho mestre a chafurdar nas brincadeiras de juventude.
Não, não, o que eu senti agora há pouco foi um terrível solavanco
de alguns gênios no meu interior acordando do sono terrível
que os outros que vivem a vangloriar futilidades haviam induzido por venenos e soníferos.
E os pobres ao se levantar choraram e maldisseram
e dentro de mim houve confusão tremenda.
É assim: lembram-se do espírito selvagem
que eu encontrei atrás daquela pilha suja de pensamentos
que me fez começar o samba inteiro?
Pois é. Na sua reviravolta ele acordou todo mundo aqui dentro
e agora fiquei numa revolução interna
e enquanto sonho em festas passadas o futuro me balança indizível
Sabe, às vezes a gente esquece que viveu
e se vocês não pensam que eu nasci ontem, pois é, eu pelo menos pensava assim até há pouco.
Deus abençoe essa memória falha e incompetente
que me permite ser-me com originalidade
que senão naufragava num constante sempre
e virava meu previsto fim, desde o início.
Eu digo: Viva! Estou vivo! E já já me esqueço e fico me lamuriando até o próximo solavanco dessa estrada esburacada que é a vida.
Acelera, ó meu bom homem. Que devagar é tão calmo que eu durmo. E bocejo.
Quem sabe aonde estou indo, quem sabe se eu não sei?
Fim.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Cena

Tem uma cena:
Que no alto da montanha, sozinho, grita.
Cadê você?
Várias vezes, numa voz meio morta.
Na outra, pode ser o menino velho, chorando numa garrafa
guardando nela a pergunta.
Garrafa de vinho, com que embebeda sua mulher.
E lhe fala eu te amo.
Ah, conversar com você é como falar com uma garrafa vazia!

Musa Ruiva (de Füssen)

Ela é ruiva, ela é sonho.
Seus cabelos queimam como o vinho e sua alma esconde um livro vazio.
Ela arde e brilha como o sol, e intriga, como o silêncio.
É óbvia e perfeita como a jóia,
Tentadora como a pergunta,
Ela é rubra,
Ela é fogo,
Ela é.

Ela é um lento despertar, uma ponte entre o onírico e o possível.
Uma estrela a brilhar sozinha na noite.
E graças a ela tudo tem sentido,
Ela é o objetivo,
O pólo norte dos compassos,
O guia dos navios.
Ela é uma vela solitária aquecendo o frio impossível da solidão.

Ela é três pontos finais seguidos,
Certos e repetidos,
Findando numa vasta reticência.
Um livro fantástico,
De prólogo impecável,
Com o final por compor...

Chama! Ela chama!
Ela é familiar, lembra-se dela?
Ela é a Lua.

De Budapeste

Hoje é aquele dia que acorda em longas demoras, abre os olhos sem vontade e calça os sapatos do hábito. Hoje eu me visto de chapéus e desalinhos, arrasto meu corpo... não.
Hoje não é um dia, é uma espera. Uma pausa na corrida, hoje paro e descanso, hoje sou só, hoje não vivo, sou sombra, perambulo e vago, sou fantasma, sou etéreo, hoje tropeço em mim mesmo, hoje sou mais um, hoje não tenho nome, sou invisível, hoje não respiro, hoje não reclamo, hoje não sou. Esse dia não faz parte do futuro, nem restará no passado: está fora do tempo e da memória. Hoje eu posso ser fraco e chorão, hoje eu nem ligo. Hoje brinco com lembranças sem juízo, não avalio, hoje não amo, hoje não dói. Hoje é aquele dia que acorda cansado demais para ser cinzento, cansado demais para ser cansado, hoje o sol se demora e passa fraco e velho. Hoje... ah, que bom que hoje é só isso: um dia a mais. Hoje é uma pausa, e hoje acaba daqui a pouco.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Caos I

Vou gritar aqui
ADEUS!
Que se morra o inverno!
Eu não agüento mais o desespero fútil dos que não foram Ah,
meus filhos.
Ah, meus filhos, Vão-se embora para fim!
Que suas perucas largas estão afogando meu mar de sonhos
E eternamente penso: quem são os dois carinhos dois
Quem são os meus, quem é o eu e tu não sabes?
Barril de paródias soltas eu!
Despejo teu conteúdo na massa,
Na, no sufoque expectativo -
Matar o desejo da comparação:
Não - me - com - pre - en - da !
Azul.

A Musa (inalterado)

Vi uma musa.
Minha musa adentrou a Vida como nonada. Fugidia, zombou-me ao rondar desapercebida. Mas, singular, na sua pluralidade de interpretações, raptou meus olhos que fuzilavam a esmo. Sua carne dourada, seu sangue mesclava-se ao infinito... Aparição maldita! Criei-te em ti mesma, impus-te tua realidade inventada. Imagem eterna dos meus sonhos, incorporo-te de súbito, irremediável. Quero-te então sem cessar. Bacante, poderias ter-te morto com um gesto, em vez disso preferes fustigar o mundo, atiçar-lhe os astros, alçar-lhe às profundezas mais inalcançáveis do teu céu. Condenas-me escravo distante, à lembrança do lânguido desespero por ti inoculado nesta alma maculada. Tua cruzada contra minha felicidade é ligeira, esfarelas o Hábito com teu sorriso de ninfa, corrompes a Beleza num átimo. Deusa caída, crucificas-me na Indiferença, largas-me sem porvir no teu rastro de destruição. E iludes-me com a delicadeza fingida duma filosofia de amores. Enganas-te, não sou tão precavido, não desconheço as correntes que me situam no oceano do teu entorno. Pranteio a dor perpétua de saber-te aqui, entre os desprovidos de arbítrio. Se houvesse a esperança de enterrar-te, extinguir para sempre esse caos terreno que te marca alheia ao Destino, mas não! Tua Imortalidade é verdadeira no fantasma do teu regressar, sei bem que a liberdade é ilusão. Bruxa, retornarias no clímax de minha obra, para tirar-lhe o sentido e torcer meu espírito submisso. O corpo que deténs agora será livrado num segundo, se primeiro eu fingir conhecer-te os subterfúgios e interferir no teu ser intocável. E meu alívio jamais perduraria, com teu retorno póstumo no semblante mais inesperado. Sou passivo servente dos teus desígnios, anja solene dos meus pesadelos, amazona pura cativada pela ordem, ímpio não-ser das mágoas mais queridas que já obtive. Amo-te, eternamente! Aceito meu encargo acima de todo o possível, tua voz muda é a sinfonia que rege meu labor. Sorrio o sorriso dos vencidos, a amargura dos apaixonados. Agradeço-te, avatar secreto da minha miséria. Resumes minha existência no silêncio que sobrevêm à tempestade, o recordar dos teus macios pecados.
Expurga-me da razão, é tudo que peço.

Maldição

Se escrever uma memória é dar-lhe força
Vou, com este sortilégio,
Inventar meu próprio destino.
Vou torná-la meu espelho:
Quando escrever um livro me escreverei;
E vice-versa.

Página 4

Espanto-me com minha própria (?) voz, desusada desde a eternidade

O gesto de destampar a caneta envolve uma construção:
Arroubo de improviso!
Ah! As pessoas passando não sabem, não, não sabem
esse saber ingênuo, das letras aqui desenhadas.
Com certeza.
Se idolatro, se idolatrarei, se idolatrei, se ídolo crio,
Ah, homenageio-o neste atuar.
Vivo minha obra,
Tentando esmiuçá-la para fazer juz a tão infindável abismo descrito saltando.
Hoje, estou aqui marcando partituras do meu mapa,
carta cartográfica aos coloridos daquela escada.
Degrau por degrau,
subindo na horizontal,
esquivo um bocejo,
rio um devaneio.

Página 3

Encarno, incorporo ao sonho, crio e imponho, ao papel do firmamento, este cenário disfarçado, os meus mil amores, a música que toca apenas para mim.

Já conhecer os caminhos, já saber os que gosto: Aqueles também fazem sentido. ó céticos, são tão válidos quanto os belos! Mas não o são...
Beleza inenarrável, vislumbrar-te é vinho das nuvens derramado no desatento.
Futuro e passado, tempo
Planejei a ponto de confundi-los.
E se destoarem, avalio: Estão encenando o que admiro ou vão repetir o velho e desajustado ritornelo?
Que a magia do vento e a Terra me engula!

Por Heráclito, Morri (Título de um luto póstumo ao viver desenfreado de outrora)

(Senti como se tivesse chorado, chorado rios imensos, chorado corpo inteiro, chorado)

Chove
na cidade perfeita
já não se sabe mais se se está sóbrio
pois na verdade jamais o estamos
e cada frase cai como uma pincelada
Que incrível é a escrita, reduzir este universo inteiro em uma palavra
em uma baforada,
em um gesto,
correr! gritar! pular e dançar!
está tocando música meus amigos
está tocando música: é o silêncio
pare e olhe.

As lágrimas do céu estão borrando o estático
estão querendo fazê-lo retornar à vida que representa

e tudo é só: "um momento"
estou só? solipsismo, me agüente!
cavaleiro do apocalipse
vou me afundar em um mar de palavras
descrever a morte súbita do aprendiz
tenho como mestra a realidade
fechar os olhos? para quê?
quero todas as milformas do impensado
quero chorar mais o desnecessário
há tanto o que relatar. Mas sou eu o observador
Sou eu refletido no olhar alheio que sou meu palco.
Represento para mim mesmo! Amo o espelho:
é meu amigo, sou eu!

sobre esses próximos 3:

algumas anotações aqui
do meu caderninho do rembrandt
escritas num dia um tanto interessante
que, se nao me engano, foi o melhor dia
eu digo, até entao foi.

nao, nao fazem muito sentido.
nem sao bonitos.
mas foram o que saiu na hora
naquela hora interminável
feita de horas roubadas do sonho.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Desliga o Tempo

Desliga o tempo e vai dormir,
estou com saudade dos teus sonhos.
O sono quer chorar pesadelos,
rir o dia inteiro,
e esquecer, por fim, aquilo que importa.

Acordar: egoísmo da alma.

a título de explicação

nao, nao vai fazer sentido algum
mas vai ser tudo que eu escrevo
e voilà, nao poderei parar mais.